quarta-feira, 14 de abril de 2010

Uma história mais...

E apaixonaram-se perdidamente. Mariana tinha em Rui a alma gémea, eram muito parecidos nos gostos, nos princípios, adoravam estar juntos e desfrutar da vida. Foram viver juntos poucos meses depois de se conhecerem, o que parecia ter acontecido há séculos.
Ela era gestora de empresas, racional, metódica, menos emocional, mas romântica, no entanto muito prática. Ele psicólogo na empresa onde ela trabalhava, mas nunca se encontravam. Muito emotivo, bem mais que ela, menos racional, emoções à flor da pele , sonhador, pés assentes na terra mas sempre a voar.
Os primeiros tempos foram maravilhosos, embora ambos já tivessem ultrapassado os 40 anos, pareciam dois adolescentes apaixonados, embevecidos. Surpresas, viagens a dois, aventuras, jantares românticos, prendinhas…
Mariana de vez em quando espreitava as gavetas de Rui e cheirava-lhe a roupa, de olhos fechados, como que a memorizar o cheiro. Dobrava as peças em cima da cama e ficava a olhá-las com devoção. Aquele pullover beringela que lhe ficava tão bem com o cabelo grisalho, aquela t-shirt azul que tinham comprado numa viagem ao Brasil, cheiravam tao bem, tão à Rui, acariciava as peças e voltava a guardá-las.

Ele começou a falar em filhos, adorava ter filhos e ela também se entusiasmou. Afinal era um sonho antigo, de ambos. Por outro lado estavam tão bem assim, só ela e ele, uma casa magnífica em Lisboa, decorada com carinho por ambos, donde se via o rio e cheirava a jasmim no enorme terraço, onde mais acima era a piscina. O trabalho que adorava, as viagens, as surpresas, o desafogo financeiro, aquele amor indestrutível, sempre a crescer.

Começou por guardar a t-shirt do Brasil numa mala, assim como assim estávamos no inverno e ele não ia precisar dela. Dobrou-a cuidadosamente, com carinho, cheirou-a, e colocou-a no fundo da mala. Dias mais tarde, quando estava a escolher um fato para mais um jantar a dois, reparou numa sweat-shirt que ele usava quase todos os fins de semana, da Lacoste, e rapidamente guardou-a também no fundo da mala. Bem dobrada, para não fazer vincos, à qual juntou a gravata preferida dele. Depositou em cima um saquinho de alfazema, feito e bordado por ela, com a inicial R e sorriu, satisfeita. Ele ainda protestou porque precisava da sweat e não a encontrou, mas ela disse que devia estar na máquina para lavar. Foram jantar.

O jantar era especial, ela reparou que Rui estava mais excitado do que era costume para um jantar de fim de semana e perguntou-lhe o que se passava. Ele respondeu que mais tarde ela saberia. E soube, quando ele a pediu em casamento, lhe ofereceu um lindissimo anel de diamantes, e a presenteou com o mais caloroso e apaixonado sorriso. Mariana quase morreu da tanta emoção, estava tão feliz que até tinha medo daquilo ser tudo mentira, coisa da cabeça dela…marcaram logo a data, tão entusiasmados estavam, seria dali a 6 meses.

Precisava agora de tempo para tratar de tudo, não andava nervosa, apenas feliz. A mala com as roupas de Rui estava a ficar cheia, precisava comprar outra. O cheirinho da roupa dele não lhe saía da cabeça, aquela nostalgia de ter as coisas dele ali à mão, a textura das peças, que ela sempre acariciava e olhava embevecida durante horas, antes de fechar a mala. Principalmente, as saudades. E aquela sensação vinda do nada de que o iria perder brevemente. E comprar mais roupa para ele, apesar de dar por falta das coisas e não se zangar…e não zangava,ele andava tão leve, tão feliz, a sua roupa desaparecia, provavelmente teria que despedir a empregada, já iam na terceira e esta também não era séria, roubava.

Quando faltavam 2 semanas para o casamento já Mariana tinha 5 malas cheias de peças de roupa, artigos de higiene, alguns livros, fotos, tudo de Rui. Praticamente a vida dele dentro daquelas malas. Andava também excitadissima com o casamento, tudo tratado, convites enviados, roupas de ambos escolhidas, hotel lindo marcado, só lhe tinha pedido a ele para a surpreender com o destino da lua de mel. Tentava abstrair-se da sensação de perda que vivia dentro dela, pois não tinha a menor razão para tal. Ele notava-a talvez mais pensativa, mais absorta, mas meus Deus, não era para menos, casavam ambos pela 2ª vez dali a 2 semanas! E ele também andava nas nuvens, feliz, atarefado, ocupado.

Faz hoje 5 anos que o Rui foi embora. Desapareceu uma semana antes do casamento, sem aviso. Dizem que se apaixonou por uma hospedeira de bordo sueca e foi viver para o estrangeiro. Mariana estava preparada, já pouco ou nada restava do Rui no quarto deles, no roupeiro, nas gavetas, na casa de banho. Nem chorou. Apenas pediu para ficar sozinha. No outro dia ligou às 5 empregadas que tinham sido despedidas e acusadas de roubo, pediu-lhes desculpa e entregou-lhes as 7 malas com os pertences dele.

Nas noites de verão vai para a piscina, deita-se na espreguiçadeira e ainda lhe cheira a Rui, ainda tem o seu perfume nas veias, o cheiro da sua roupa no nariz e a lembrança das lembranças dele na cabeça.

13/4/2010


Margarida S.

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