quinta-feira, 30 de abril de 2009

Foto "a la minute"

Todos os dias penso em ti. Uns dias mais, outros menos, mas fazes parte do meu dia a dia. Como poderias não fazer?
Há já muito tempo que não te vejo, em carne e osso, mas relembro sempre o teu sorriso, os dentes alinhados, um sorriso aberto e honesto. E os teus olhos, ui, olhos perspicazes, de lince, intuitivos, perfurantes. E as mãos, que admiro em todos os homens, as tuas, perfeitas, dedos longos, algo finos, lindas. A tua voz também, emotiva, nada aborrecida, forte e suave ao mesmo tempo. Lembro-me daquela tarde, em que me cantaste um fado de Coimbra, dedicaste-mo e tudo e eu, que morria de vergonha sempre que era o centro das atenções, nessa tarde, adorei, tive orgulho em ti e em mim. Cantavas tão bem... naquele momento éramos apenas um, naquela sala.
Foste tu que me ensinaste tudo. Que me apresentaste os amigos, as centenas de amigos que tínhamos em conjunto. Até os famosos, cantores, actores, poetas, que sabias que admirava, fazias o favor de mos apresentar, e sei que o fazias porque adoravas ver-me feliz. Aliás, foi também para isso que nasceste, sentires-me feliz.
Tinhas pavor de duas coisas, perderes-me, ou eu perder-te a ti. Mal sabias tu que nós nunca nos perderíamos, somos almas gémeas, eternamente ligados. Nessas alturas eras sufocante, controlador, até chatinho, mas sabes, digo-te agora, eu até gostava, achava-te piada, como daquela vez na praia, no nosso querido Monte Gordo, em que arranjei um namoradinho de verão e me deixaste de falar, só porque sim, porque no fundo, tinhas um ciúminho.. Eras encantador.
Sei que me achavas um piadão. Não só porque era muito parecida contigo, mas porque também achavas graça às minhas coisas de adolescente rebelde. As nossas noites nas discotecas, os copos que bebemos, as touradas a que fomos, os concertos a que fazias o favor de me acompanhar, tu no fundo gostavas daquilo, dizias que não só para me contrariar, eu via-te a dançar e a “curtir” talvez mais do que eu. As noitadas na casa de fadistas, a semana no circo, as farras que fizemos, as gargalhadas que demos.
Tínhamos um mundo tão nosso, que mesmo vivendo connosco, algumas pessoas se sentiam perdidas e a mais. Sei agora que tinhas também um mundo só com elas, um mundo vosso. Afinal, tu eras e ainda és, o príncipio do mundo de muitos de nós.
Obrigada por teres aceite ser meu pai.

Sempre tua Xumeca

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os teus olhos

Os teus olhos são poemas, palavras encaixadas na perfeição, que me adoçam os sentidos. São oceanos profundos, frescos, onde posso mergulhar vezes e vezes sem fim, sem nunca me cansar . No verde dos teus olhos podem caber todos os silêncios e todos os gritos, todas as alegrias e todas as dores, todos os amores e desamores. Os teus olhos são lendas, carregam histórias, risos e glórias, prantos e sabores. É o verde de todas as Primaveras juntas, da água de todas as fontes, do cheiro do musgo acabado de colher, é o verde mais verde e mais límpido de todos os verdes. O verde dos teus olhos não tem cor, não tem fim, não tem nome, é simplesmente o verde dos olhos do meu amor.

Margarida S.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Hoje partilho um poema do qual gosto muito, onde se pode ler a desilusão, o medo, mas também a esperança...

Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
Pousa a tua mão na minha
E, sem me olhares, sorri.

Sorri do teu pensamento
Porque eu só quero pensar
Que é de mim que ele está feito
É que tens para mo dar.

Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim…
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?

Fernando Pessoa

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Havia dois dias que Isabel não conseguia dormir. Tinha, num rompante de saudades, de insegurança, num mal entendido, daqueles que é impossível saber a causa, acabado tudo com João. Não se lembrava de se sentir tão infeliz e genuínamente triste. Ao fim da tarde, meteu-se no carro, precisava andar, voar, esquecer…Seguiu as luzes dos outros carros, andou sem rumo, apetecia-lhe morrer, deixar de sentir, arrancar aquela dor insuportavel do corpo entorpecido.
João saíu do emprego, e dirigiu-se para casa. Sentia-se profundamente triste, perdido,magoado. Nunca amara ninguém assim e sem explicação, agora tudo não passava de um passado recente, demasiado recente para ser suportavel…Isabel terminara tudo, pedindo-lhe uma amizade que ele era incapaz de lhe dar. Ainda assim, indo buscar forças onde pensava não haverem, foi ver os apartamentos que tinha combinado com a sra da agência. No fim, um breve “ Voltarei cá com a minha namorada e depois damos uma resposta”
Que namorada?
Derrotado, dirigiu-se a um parque de estacionamento quase deserto. Aí deixou a tristeza invadi-lo e chorou. Como não chorava desde criança.
Isabel parou o carro. Precisava deitar cá para fora toda a mágoa, raiva dela própria, tristeza, solidão. O parque de estacionamento tinha pouca luz e ela deitou a cabeça cansada no volante e chorou. Chorou muito.
Ligou a João, que só atendeu à 3ª ou 4ª vez. Ao ouvi-lo sentiu um misto de dor e conforto. Precisava daquela voz, precisava daquele carinho, precisava dele. Incapaz de lho dizer, limitou-se a ficar calada, partilhando um silêncio dormente. João, magoado e sem saber o que fazer disse-lhe para ela se afastar dele, definitivamente. Não porque fosse isso que quisesse, mas porque não suportava ouvir-lhe a voz doce, relembrar o cheiro e a pele macios, o corpo quente e ávido dele, a paz que sentia com ela.
Enquanto as lágrimas lhe corriam pela face, reparou numa mulher, sentada no carro em
frente, que falava ao telemovel. Também ela parecia chorar.
João saiu do carro e a limpar a cara dirigiu-se ao carro dela. “precisa de ajuda”?
Ela olhou para os olhos verdes que lhe ofereciam ajuda, encolheu os ombros e soluçou.
Sairam do quarto do hotel barato eram já umas 6horas da manhã. O céu começava a clarear, a ter aquela luz que nos dá uma sensação de “nascer de novo”.
“Obrigada por tudo, a sério”, disse-lhe ela, os olhos ainda vermelhos, o cabelo comprido desalinhado, as mãos com as mãos dele dentro das suas, um sorriso envergonhado a abrir-se.
“Obrigado eu, não esquecerei esta noite” – João sorriu. Acariciou-lhe a face, os cabelos, os lábios. Despediram-se com um suave e demorado beijo na boca.
O carro dela desapareceu, rapidamente lentamente, sem barulho, parecendo não querer deixar rasto naquela noite, que tinha ditado o resto da sua vida.
João ficou a ver o carro desaparecer ao longe. Já sentado no seu carro, levou a mão ao bolso, tirou as cuequinhas liláses ainda com o cheiro da noite anterior, o cheiro de Isabel. Levou-as ao nariz, cheirou-as, acariciou-as. Amanhã tinha que lhas devolver, pensou.
Depois, arrancou lentamente.

Margarida S. (Daisy)

terça-feira, 14 de abril de 2009


RollerCoaster

Antes de me sentar no café, fui comprar um maço de tabaco. Não fumo, mas ter aquilo ali à mão dava-me a sensação de aconchego. Fiquei na zona de “não fumadores”, como de costume, e esperei por ti, ansiosa.
Chegáste com o teu sorriso de sempre, os teus olhos verdes do tamanho do mundo e as minhas mãos frias foram directamente para as tuas. O que se passou a seguir foi do mais puro non sense…rodeei o assunto, inventei histórias, menti…permanecias imóvel, aquecias-me as mãos, os olhos deram mil voltas ao mundo. Finalmente parei de mentir, disse-te que estava doente, “nada mortal”- como se fossemos todos imortais…
É curioso como as pessoas mentem quase sempre, antes de irem directamente ao assunto, numa situação mais incómoda. Fizeste o mesmo quando finalmente abriste a boca para me responder, aludiste à separação, chamaste-me nomes, acusaste-me de coisas feias.
Ficámos horas a olhar para o café, para as pessoas, para a rua, horas em que não vimos nada, que não pensámos em nada, horas que perdemos, numa dança constante de olhares e silêncio.
Por fim disseste-me que me amavas e que estavas comigo para o bom e para o mau, íamos portanto lutar juntos. E sorriste. Os olhos em voltas à volta dos meus. Nunca na vida ouvi nada que me confortasse tanto, nada que me fizesse tanto bem. Demos as mãos e saímos, pacificados. Voltei segundos depois atrás, para buscar, triunfante, o meu maço de cigarros.
Onde é que se fabricam anjos como tu, para podermos repovoar o mundo?

Margarida S.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Partilho convosco bocadinhos de mim, instantes, momentos que resolvi colocar no papel...Uns mais bem humorados, outros mais sensíveis, uns imaginados, outros reais, são todos partes de mim, que ficaram por aí...

Margarida
Dá-me a tua mão,
fecha os olhos
morre mais um bocadinho junto de mim.
Que esse bocadinho é alimento da minha alma,
quando tenho o teu corpo nu junto ao meu,
quase crianças
tremendo de desejo
perdidos nos sonhos
aconchegados enfim.
Dá-me a tua mão,
E nunca largues a minha.
fecha-me os olhos com beijos,
sossega-me, afugenta-me os medos,
dá-me o que já não tenho
rouba-me sorrisos.
Leva-me contigo,
Caminhemos lado a lado.
Há algures um lugar só nosso,
Não tem principio nem fim
É violeta, é dourado,
Sempre no coração esteve guardado.

sábado, 11 de abril de 2009

A fonte

O largo da igreja estava vazio. A fonte estava cheia de água cristalina e límpida e tinha os sete peixes azuis, nem mais um, nem menos outro, sete, que regra geral, se alimentavam de alguns curiosos e desprevenidos gatos que durante a noite se iam observar na água espelhada . Os peixes só se alimentavam de noite, nunca dormiam, e ao contrário dos peixes normais, que têm alguns segundos de memória, estes não tinham memória alguma.
Almerindo aproximou-se, era já noite escura, a igreja não tinha relógio, mas ele já tinha jantado, por isso calculou serem por volta das 9h da noite. Viu-se na água da fonte, os peixes afastaram-se e ele pode ver os cabelos, que alinhou num gesto vagaroso, abriu os olhos, pestanejou, fechou, fez caretas, respirou fundo e com o coração acelerado, ansioso, dirigiu-se com passos vagarosos para casa dela.
Natalina tinha os olhos mais bonitos que alguém já tinha visto, e ao contrário dos olhos da videntes, que costumam ser verdes, os dela eram azuis, um azul profundo, umas vezes penetrante, outras cristalino. Como era cega, diziam-lhe que tinha cabelos castanhos, mas ela sabia que eram pretos, diziam-lhe que era magra, mas ela sabia que tinha formas arredondadas, ancas torneadas, diziam-lhe que tinha o rosto redondo, mas ela sabia que tinha o rosto oval, harmonioso, maçãs do rosto salientes e dentes que brilhavam no escuro, de tão brancos.
Nessa noite o coração dela batia mais rápido e forte, sabia, não por nenhum relógio, mas porque já tinha fome e se sentia um pouco fraca que deviam ser mais ou menos 9 horas da noite, e sentou-se, devagar, com os olhos a brilhar à espera. Ao colo dela veio sentar-se o Saramago, um gato que vivia lá em casa há muitos anos, e que não conhecera outra dona senão Natalina. Saramago forma um gato vadio que se alimentava dos restos e que quando ouvira falar dos peixes da fonte, veio por curiosidade, e ficou pela aldeia. Era o único gato que já tinha comido um peixe azul. Saramago não sabia, mas já era imortal.
Almerindo nunca tinha tocado em Natalina, mas ela sentia-o quase todas as noites, depois de se deitar, nua, na cama de lençois de linho branco que cheiravam a cânfora. Quando ela descansava a respiração, vinha Almerindo, as suas mãos no cabelo crespo dele, as mãos dele nos seus seios rijos, as pernas dele dentro das dela, as coxas dela que apertavam a cintura dele, o cheiro de ambos misturado, o sexo duro dele dentro dela, os gemidos de ambos...faziam amor enquanto o desejo durava, minutos ou horas.
Almerindo bateu à porta, ela levantou-se e abriu-a. Pelo cheiro soube logo quem era. Pegou num casaco de linha que já tinha pousado numa cadeira e sairam de casa. Não falaram. Dirigiram-se para a fonte, ele agasalhou-lhe o casaco nos ombros e guiou-a, como se ela própria não conhecesse o caminho, como se fosse cega, pensou ela e sorriu. Almerindo sentia-se um homem feliz, aquele era o melhor momento do dia, de todos os dias. Ele amava-a, mas como era imortal não se lembrava de alguma vez a ter sentido mais perto do que naqueles momentos. Uma vez chegados à fonte, tirou-lhe o casaco dos ombros, ela aproximou-se da água e viu-se. Achou-se bonita. Apetecia-lhe tocar na água, acariciar o seu reflexo que só via uma vez por dia. Começou a mergulhar o rosto na água, lentamente, os peixes começaram a aproximar-se. Mergulhou mais fundo, o frio da água, a fonte sem fundo...Os peixes finalmente saciaram a sua fome nos olhos dela. Almerindo assistia a tudo, e reparou que Saramago também estava empoleirado na fonte. Quando Natalina levantou a cabeça, cabelo preto reluzente e encharcado, tinha os olhos mais azuis que nunca e sentia-se agradavelmente saciada, jantada.
Almerindo deu-lhe a mão e conduziu-a de novo a casa. Nessa noite amaram-se a noite inteira.
De manhã quando amanheceu, a aldeia tinha o movimento habitual, a normalidade restituída, Almerindo era funcionário dos correios e aí passava os dias, num trabalho que gostava, Natalina bordava à mão e com a ajuda de Almerindo, vendia os seus trabalhos na Internet. Saramago passava os dias em aventuras com os peixes azuis da fonte, que durante o dia se transformavam em gatos. E assim foi, durante sete imortais anos.

Margarida S.

O silêncio

O silêncio é transparente. Dizias
E eu afogava as palavras nos teus cabelos desalinhados.
Tatuava sussurros, gemidos, lamentos e gritos mudos, na suavidade da tua pele, dos teus abraços.
O silêncio é transparente. Dizias
E eu calava os sentimentos na comunhão da paixão e do orgasmo.
Vivíamos momentos. Matávamos recordações, saltávamos as palavras
Perdemos o medo. Do tempo. Do esquecimento. Inventámos sonhos.
O silêncio é transparente. Dizias
E eu materializava a vida nos nossos corpos nus, silenciosamente gritando de prazer