terça-feira, 15 de março de 2011

Sra. Francelina

Quando nos mudámos para cá, eu tinha 5 anos. Passámos a ter uma empregada, que vinha um dia por semana, chamada Francelina. Depressa a sra. Francelina se adaptou a nós e nós a ela. Era uma senhora com uma voz muito aguda, extremamente engraçada e terna, tinha uma trança enorme que enrolava à volta da cabeça e um sorriso bonito. Lembro-me que foi ela que me ensinou a passar a ferro com todos os preceitos, que me ensinou a fazer molotof como deve de ser, que me ofereceu um pinto quando eu tinha a mania de querer fazer da minha casa um jardim zoológico, que me carregava nos braços quando chovia a potes e ela me ia levar à escola primária, que me limpava as lágrimas quando eu me zangava com a minha mãe. Com o tempo tornou-se uma grande amiga, uma pessoa da casa, acho que falava mais do que trabalhava. Assistiu ao meu crescimento, à minha adolescência, preparou muitos lanches para mim e para os meus amigos, confidenciou-me que fulano ou sicrano gostava de mim e deu a sua opinião sobre qual eu deveria escolher. Sempre disse, contra todas as outras opiniões, que eu, que parecia um espinafre, iria fazer-me uma mulher redonda e com boas carnes, e acertou (infelizmente). Fomos, eu e a minha mãe, suas confidentes, contava-nos da pouca simpatia do marido, das coisas dos filhos, pedia-nos opiniões, aceitava ajudas. E ajudou-nos muito também, com a sua simpatia, a sua pacência, bondade, bom humor. Tivemos momentos inesquecíveis, como daquela vez em que perguntou se sabíamos o que era isso dos bebés "profeta", que a ela fazia-lhe muita confusão esse assunto. Ríamos muito, raras vezes a vi triste, era uma pessoa simples, alegre, bem disposta. Depois fomos embora, o meu pai foi transferido, e chorámos muito, era como deixar para trás uma avó, custou muito a todos, mas a vida continuou. Passados muitos anos voltámos, eu e a minha mãe, e quem foi a primeira pessoa que nos visitou? A sra. Francelina, já sem trança, mas ainda enxuta, com o seu magnífico sorriso. Abri-lhe a porta e fui engolida pelo seu abraço, enquanto me dizia ao ouvido " ai a minha menina, pensei que nunca mais a via, pensei que morria sem a ver, que saudades", e desatámos todas a chorar. Não sinto por mais ninguém o que sinto por ela, adoro-a. Por isso, como soube que ela agora está num lar, pois caiu e ficou paralizada, tenciono ir lá visitá-la muitas vezes. A querida senhora Francelina.

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