quarta-feira, 15 de abril de 2009

Havia dois dias que Isabel não conseguia dormir. Tinha, num rompante de saudades, de insegurança, num mal entendido, daqueles que é impossível saber a causa, acabado tudo com João. Não se lembrava de se sentir tão infeliz e genuínamente triste. Ao fim da tarde, meteu-se no carro, precisava andar, voar, esquecer…Seguiu as luzes dos outros carros, andou sem rumo, apetecia-lhe morrer, deixar de sentir, arrancar aquela dor insuportavel do corpo entorpecido.
João saíu do emprego, e dirigiu-se para casa. Sentia-se profundamente triste, perdido,magoado. Nunca amara ninguém assim e sem explicação, agora tudo não passava de um passado recente, demasiado recente para ser suportavel…Isabel terminara tudo, pedindo-lhe uma amizade que ele era incapaz de lhe dar. Ainda assim, indo buscar forças onde pensava não haverem, foi ver os apartamentos que tinha combinado com a sra da agência. No fim, um breve “ Voltarei cá com a minha namorada e depois damos uma resposta”
Que namorada?
Derrotado, dirigiu-se a um parque de estacionamento quase deserto. Aí deixou a tristeza invadi-lo e chorou. Como não chorava desde criança.
Isabel parou o carro. Precisava deitar cá para fora toda a mágoa, raiva dela própria, tristeza, solidão. O parque de estacionamento tinha pouca luz e ela deitou a cabeça cansada no volante e chorou. Chorou muito.
Ligou a João, que só atendeu à 3ª ou 4ª vez. Ao ouvi-lo sentiu um misto de dor e conforto. Precisava daquela voz, precisava daquele carinho, precisava dele. Incapaz de lho dizer, limitou-se a ficar calada, partilhando um silêncio dormente. João, magoado e sem saber o que fazer disse-lhe para ela se afastar dele, definitivamente. Não porque fosse isso que quisesse, mas porque não suportava ouvir-lhe a voz doce, relembrar o cheiro e a pele macios, o corpo quente e ávido dele, a paz que sentia com ela.
Enquanto as lágrimas lhe corriam pela face, reparou numa mulher, sentada no carro em
frente, que falava ao telemovel. Também ela parecia chorar.
João saiu do carro e a limpar a cara dirigiu-se ao carro dela. “precisa de ajuda”?
Ela olhou para os olhos verdes que lhe ofereciam ajuda, encolheu os ombros e soluçou.
Sairam do quarto do hotel barato eram já umas 6horas da manhã. O céu começava a clarear, a ter aquela luz que nos dá uma sensação de “nascer de novo”.
“Obrigada por tudo, a sério”, disse-lhe ela, os olhos ainda vermelhos, o cabelo comprido desalinhado, as mãos com as mãos dele dentro das suas, um sorriso envergonhado a abrir-se.
“Obrigado eu, não esquecerei esta noite” – João sorriu. Acariciou-lhe a face, os cabelos, os lábios. Despediram-se com um suave e demorado beijo na boca.
O carro dela desapareceu, rapidamente lentamente, sem barulho, parecendo não querer deixar rasto naquela noite, que tinha ditado o resto da sua vida.
João ficou a ver o carro desaparecer ao longe. Já sentado no seu carro, levou a mão ao bolso, tirou as cuequinhas liláses ainda com o cheiro da noite anterior, o cheiro de Isabel. Levou-as ao nariz, cheirou-as, acariciou-as. Amanhã tinha que lhas devolver, pensou.
Depois, arrancou lentamente.

Margarida S. (Daisy)

1 comentário:

Unknown disse...

Tu tens o dom da escrita! Continua e partilha-o connosco.

Beijos.