quinta-feira, 1 de julho de 2010

Cem e-mails de amor e um de ódio

Noite sim, noite não, ela deitava-se e já tarde na noite, escrevia-lhe uma carta de amor. Durante a noite os sentimentos estavam mais vivos, falavam melhor a linguagem dos amantes, fluíam naturalmente. Sentada na cama, computador no colo, uma enorme taça de gelado ao lado, ela escrevia o que lhe ia na alma, revelava sonhos, alimentava a paixão que lhe consumia os dias, o corpo e a mente. Depois enviava-lhe o e-mail, advinhando a alegria e o prazer que lhe dava. Alimentavam assim uma imensa paixão virtual, que tinha começado na realidade, quando ele lhe tirou a vez na caixa do hipermercado. Isso gerou uma troca de palavras azedas, seguida de pedidos de desculpa, e um convite inesperado para um café, mesmo ali, no bar do hipermercado. Daí à troca de e-mails foi um passo. Foi dele que partiram todas estas iniciativas, logo ela via-se na obrigação de retribuir, da melhor forma que sabia, escrevendo. E escrevendo sobre o sentimento que se foi apoderando dela, primeiro suavemente, depois duma forma completamente inequívoca, palpitante, pungente. E as retribuições dele ainda mais a faziam acreditar, querer aquele homem para si. Noite sim, noite não, ela fazia-lhe juras, promessas, revelações, cenários doces e cheios de esperança. Esperando dele o próximo passo, o pedido de concretização daquele sentimento, o cheiro dele no dela, o ombro dela no dele. Passaram assim meses, naquela dança de mails, de convites velados, de propostas silênciosas, aumentando a excitação, a esperança, a ansiedade. Sentia-se feliz, quase preenchida.
Um dia ele traíu aquela paixão. E ela, sentada na cama, muito direita, sem ainda ter tocado no gelado, enviou-lhe a primeira carta de ódio. A primeira e última carta de ódio. Depois comeu o gelado, fechou os olhos e adormeceu.
Quando o marido voltou do turno da noite, no bar onde trabalhava tapou-lhe os ombros descobertos e depositou um beijo na testa desta mulher que amava.

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