quinta-feira, 26 de maio de 2011

Não tem de quê

Senhor do desportivo preto com 30 anos, convenhamos que ontem lhe fiz um enorme favor, mas como sou uma pessoa boa e doce, não precisa agradecer, faz de conta que não se passou nada e não se fala mais nisso. Quando ontem estacionei em segunda fila e ao abrir a porta do meu modesto peugeot, sem querer encostei na  porta do seu bólide, e fiz uma marca aí de meio milímetro, que o senhor fez o favor de me mostrar, não adivinhávamos o tamanho do favor que lhe estava a fazer, pois não? É que a partir desse momento, e durante uns minutos o senhor desabafou tudo o que lhe ia na alma, o senhor gritou, chamou-me desastrada, o senhor vociferou que eu tinha que lhe pagar o prejuízo, o senhor disse que ia chamar a polícia,  o senhor pôs quase meia cidade a olhar para mim, sim, para mim, criminosa que encosta porta com porta. Confesse que lhe estava a fazer falta ser assim agressivo, soltar a raiva que havia dentro de si, e era muita, sentir-se homem das cavernas por alguns momentos. Nada melhor que uma moça assim como eu, desprevenida, com falas mansas, para o senhor mostrar o melhor que havia em si, não foi? Eu sei, escusa de agradecer. E quando eu lhe disse, e foi a única coisa que eu lhe disse, num tom calmo, que estava disposta a pagar o prejuízo, temi que me fosse arrancar do carro pelos cabelos e pontapear-me, já que o senhor espumou de raiva. Mas fez-lhe bem, admita que lhe fez imensamente bem. A vida, se calhar,  não lhe corre bem, aquele carro serve para engatar as miudas, a sua forma de falar evidenciava  não ser muito bem nascido, não ser lá muito culto, não ter grandes prazeres na vida, a não ser dar umas voltas nesse carrito, que tal como o sr gritou, tinha saído da pintura, sei lá, para aí a 5ª pintura, a semana passada, portanto esse coraçãozinho anda apertado, cansado, desgostoso. Eu entendo-o e digo-lhe mais, caso precise soltar toda a raiva que o atormenta, conte comigo, de bom grado pedirei a alguém que mande um camião TIR disparado para cima do seu amado desportivo preto, já com uns bons 30 anos em cima e muitas pinturas. A sério, não se acanhe, não tenha vergonha, peça. Eu esforçar-me-ei de bom grado, com vontade, acredite. Mas uma senhora, porque vi logo que é muito mais fácil para si ser mal educado para uma senhora, não é, meu caro senhor?  Eu sei que sim, ambos sabemos que sim, aliás. Vá, disponha sempre e escusa de estar sempre a agradecer, foi de coração. Atenciosamente,
Margarida.

Sem comentários: